quarta-feira, 10 de junho de 2015

As folhas brancas sobre a mesa.


As folhas em branco sobre a mesa eu as uso agora para anotações pessoais, para fragmentos de livros, para as anotações depois de cada sessão.
As folhas brancas sobre a mesa já não as uso para anotações de aula, para frases decoradas, profanadas por quem se coloca a frente, no degrau mais alto da sala, declamadas com as mesmas vírgulas a cada novo semestre... As folhas brancas, eu as deixo em casa, não levo para receberem em suas linhas, datas de provas, nomes importantes, artigos, explicações que não se aplicam. As folhas em branco, eu não as desperdiço com o que não é importante mais.
As folhas brancas sob a mesa agora recebem em caneta dourada a minha própria fala.
Em baixo de um livro de mil páginas estão as folhas brancas esperando a descrição dos meus personagens, esperando a descrição dos lugares, esperando as histórias que existem, que se movem em mim...
As folhas em branco estão sobre a mesa, à baixo de um livro pesado de capa dura. Uma grandiosa obra da literatura...
As folhas brancas com linhas azuladas claras esperam sobre a mesa, à baixo do livro pesado. Esperam até o momento de eu puxar e ter em meio aos dedos uma folha solta. Esperam até eu empunhar a caneta de tinta dourada. E esperam até me debruçar sobre ela, até fazer chegar a mão e depois à folha branca todo o universo, todo o realismo fantástico que existe, que se move e que se cria em mim...

segunda-feira, 8 de junho de 2015

O sábado e a música na rua...


Vesti um jeans surrado, fechei a porta e sai... Naquele sábado o que planejei durante dias eu fiz...
Era sábado, o sol radiava, era quente e as ruas estavam tomadas por gente andando de lá para cá...
Era sábado, atravessamos duas cidades, rimos pelo caminho, sentamos no muro.
E sentados observamos mais gente indo e vindo e crianças rindo e bebês dormindo. E sentados no muro, olhei para trás a casa fechada, vazia na fachada, talvez abandonada. E olhamos à nossa frente e, como se não houvesse mais nada para observar, notamos o que toda aquela gente estava vestindo. E quantas calças bordô nós vimos!
Sentados no muro rente a rua de trepadeiras e folhas que amarelavam sob nossas cabeças e caiam a gente toda de aglomerava.
Depois de notar tanto ao redor, a música começou. Levantamos, eu e ele, fomos para o outro lado, acabamos no meio de toda aquela gente que cantava junto comigo. Mas havia outro tanto daquela gente que não cantava, mas sorriam enquanto tiram fotos sem fim. Só pararam quando a música também parou...
No meio da multidão eu não pensei no ombro doendo com o peso da bolsa, nem me dei ao trabalho de pensar na possibilidade de pânico. Ali, no meio de tanta gente eu cantei todas as músicas que sabia, tentei cantar auto até conseguir ouvir minha própria voz. E as que eu não sabia eu me fiz escutar, enquanto me balançava de um lado para o outro no ritmo de cada nova canção.
Em cada canção, em cada som feito entre violão, piano ou batuque eu recordava um pouco da vida, eu sentia um pouco de fé, de esperança falada com rima feita de música para os meus ouvidos...
Eu cantei, não me preocupei com fotos. Eu cantei e quase levantei as mãos...
Naquela tarde de sábado ensolarado, quando eu estava no meio de tanta gente que cantava a mesma letra que eu, eu notei a trepidação em mim em pensar o que é viver o que se é, em ter a arte como profissão seja ela qual for.
Agora, depois de um sábado ensolarado, eu escrevo e escrevendo percebo o que é viver a sua arte, eu percebo o que é viver sendo e fazendo o que se é...

domingo, 7 de junho de 2015

Sobre começos, recomeços, dores e necessidade de ar...


Há um ano atrás, eu lembro bem como tudo começou... Na última semana reconheci as já conhecidas sensações...
Redescobrir uma vez mais, um ano depois, que continuo sem o direito adquirido de ser feliz, de ter momentos bons sem estar alerta, sem ter de esperar o que pode acontecer nos próximos minutos...
Afinal, mesmo depois de dias de ânimo e riso solto eu volto a abrir a janela, desesperadamente, inspirando fundo o ar para encher os pulmões...
Ah, e eu que dias atrás estive no meio da multidão escutando música ao vivo... Eu que estive na rua dando passos à frente sem medo... Eu que na noite de ontem, aguentei firme, sentada na cadeira da mesa do canto do restaurante de paredes vermelhas no centro da cidade sem deixar que o desespero me levasse para fora... Eu, que ontem respirei fundo e silenciosamente tirei os sapatos quando os gritos de reclamação começaram daqueles que queriam dormir com o sol, logo no início da noite...
Estou chorando, mas minha face está seca, meus cílios estão secos e em meu rosto não há sinal de qualquer mancha vermelha causada por lágrimas em excesso... Mesmo assim estou chorando, dentro de mim algo se rasga, se despedaça, dentro de mim algo quer se mover desesperadamente para qualquer lugar longe daqui, para que tudo isso acabe, para que todas essas sensações acabem, para que o coração se desaperte, mas qualquer lugar é incerto, é dúvida, é risco, gera medo, desespero e dor...
Estou escrevendo para poder me aliviar das dores que moram em mim... Estou chorando por dentro enquanto escrevo para alimentar a vida dentro de mim... Pra poder respirar... Estou chorando mas estou tentando seguir, deixando todos esses pedaços, todas as células mortas para trás... Estou chorando para poder seguir e enquanto sigo estou pisando sob a poeira cósmica que não pertence mais a mim, à vida que aos poucos se refaz em mim...

sexta-feira, 5 de junho de 2015

As bicicletas nos meus olhos

Numa manhã antes do feriado fui acordada antes do sol, alguém estava na porta chamando pelo meu nome... Pulei da cama, coloquei um casaco desgrenhado e cheio de pelos por cima de seus ombros, cocei os olhos enquanto saia do quarto...
Senti tristeza ao me despedir dos que iam, dos que me faziam ir sempre em frente... Mas, voltei a dormir quando o sol já havia se levantado e agora estava batendo na janela entreaberta e úmida.
Quando fechei os olhos, sem que estivesse dormindo comecei a ver bicicletas, muitas delas. Andando, andando, iam em direção ao que eu não sei o que era, mas tinham rumo. Aquelas bicicletas como as do Tour de France tinham rumo, iam para alguma direção que eu desconhecia.
As bicicletas que eu via pela (in)finitude da minha pálpebra eram em cores quentes como as Bicicletas de Belleville. Ninguém montado em uma daquelas tantas bicicletas olhou para trás, por isso desconheço rostos, vi as bicicletas que iam, apenas...
Continuei de olhos fechados, sem pressa para pegar no sono e logo ter que levantar pela segunda vez naquele dia...
Eu permaneci de olhos fechados observando aquelas bicicletas que corriam diante de mim. Dentro dos meus olhos aquelas bicicletas coloridas, em fundo escuro iam, de costas para mim.  E eu as via tomando rumo, todas elas, todas juntas... Rumo a algum lugar, para alguma direção todas aquelas bicicletas iam, mas no fundo de minhas pálpebras eu não via nada além das bicicletas em movimento... Talvez estivessem buscando a linha de chegada, talvez estivessem todas, admirando as ervas que cresciam pela caminho enquanto iam...

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Os gatos das sacadas

Daqui da onde estou sentada eu observo através de uma grande janela. Diante da janela de vidros limpos vejo o universo que se expande entre o quadrado da janela. Aqui não estou diante de árvores podadas pela metade, não estou ouvindo o barulho ao longe que vem da rua.
Aqui o que vejo é algum reflexo da vida em movimento. Aqui, sentada, observo os gatos perdurados nas sacadas, estão eles esperando a chegada do sol, estão eles respirando o ar gelado do anoitecer enquanto seus donos não chegam.
Aqui sentada observo quem vai, aguardo quem está para chegar...
Daqui da janela, olha para a rua, carros estacionando, carros arrancando.
E eu volto a olhar para os gatos pendurados, comendo no parapeito da sacada, pegando sol, estão os gatos também observando o movido da rua, enquanto se acomodando e se escoram na tela de proteção...
Eu não havia percebido quantos gatos vizinhos existiam por aqui. E eles estão pendurados, estão ronronando, estão no parapeito da sacada pegando sol e dormindo... E eles dormem e se aquecem no sol sem que importar com os cães que latem...

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Resenha - Presente do Mar




Considerado um pequeno clássico, o livro Presente do Mar foi escrito pela estadunidense Anne Morrow Lindbergh, publicado pela primeira vez em 1955.
Nesse livro biográfico e escrito em tons reflexivos, a Escritora ao se afastar do universo de sua casa, dos filhos, do marido e das obrigações que a cercam na cidade de Connecticut, parte para uma ilha, sozinha, onde fica durante um tempo de férias. É lá, na simplicidade de viver com poucas coisas que ela se volta para o seu interior para pensar sobre o seu mundo e como vive neste mundo.
Assim, temas como o papel da mulher, a solidão, a necessidade de voltar-se para si, as obrigações, a auto-realização, o casamento e o amor são conceitos que tomam outras dimensões através da escrita de Anne.
Mas, na dimensão da vida que, por hora, ela vive naquela ilha distante, o tempo é seu aliado para observar cada coisa ao seu redor. É ali que ela observa as conchas, cada uma em sua singularidade, assim como cada fase da vida. Por esse motivo, cada capítulo do livro recebe o nome de uma concha e em cada capitulo há uma profunda reflexão, uma comparação com cada tipo de concha, umas mais raras, outras mais comuns, mas cada uma bela a sua maneira. De alguma forma, em algum momento, o que se percebe é que o que a escritora refletia em suas férias, em meados de 1955, é ainda o que muito se procura entender nos dias atuais. Existe nela muitas das perguntas e dúvidas que existem em nós, hoje.
Importante notar que a obra é profunda no papel que a mulher foi assumida ao longo do tempo, e que, da mesma forma, como ao longo do tempo foi perdendo espaço para olhar para si, e exercer papeis criativos diante de tanto afazeres exigidos a ela.

Vinte anos depois de Anne escrever o presente do mar, ela abre uma vez mais a obra e escreve, mais um capítulo. Vinte anos depois ela lança seus reflexos sobre Presente do Mar, e refaz suas reflexões sobre anos turbulentos, sobre o que acreditou ser a libertação da mulheres, sobre o contexto político e sobre as mudanças no contexto familiar, como a morte do marido.


Enfim, em pouco mais de 120 páginas, Presente do Mar é, de fato, um presente, capaz de nos fazer refletir sobre a vida, sobre o papel que assumimos e sobre nossa, ainda, incapacidade, de reservar um tempo para olhar-nos para nós mesmos, de compreender que muitas vezes a solidão é bem-vinda, de que existe necessidade de olhar para dentro antes que abarrotarmos de coisas desnecessários o que existe fora de nós.

domingo, 24 de maio de 2015

Sobre a violência de sábado


No descuido do pensamento, no momento em que me distraio do jogo, eu me traio e remonto os atos.
Na saída lateral do shopping, num fim de tarde já escuro, com as luzes amarelas dos pontes da rua já acesas, o que julgo ser um garoto correndo desesperado, destrambelhado, sem saber, ao certo, para onde corria, fugindo de alguém como numa brincadeira, era apenas o que parecia.
 Tentando superar a capacidade de suas pernas, ele acabou entrando numa ruela de mão única, ali, tão próximo de um colégio caro, de religiosos. Mas o jovem de roupas largas não ia sozinho. Ao quebrar na esquina da rua de mão única um carro teve tempo de dar sinal e quebrar, ele também, a esquina.
Nessa altura dos acontecimentos eu ainda não sabia o que estava acontecendo, apenas pensei que era alguém despreocupado, indo para casa, que talvez, nem ao menos tivesse notado um possível meliante, como se costuma, por aí, dizer.
Mas o que doeu nos meus olhos, foi que quando alcancei aquela esquina, dentro do caro de vidros claros e não blindado o que vi foi mais uma daquelas cenas que só penso me deparar em filmes, documentários. É uma entre aquelas cenas que não imagino ver tão limpa diante dos meus olhos.
O garoto que antes corria, estava, agora, atirado no meio fio, com as mãos na cabeça, desesperado, enquanto que alguém lhe apontava uma arma e lhe dava ordens.
Pedi para que corresse, para que fizesse o carro andar mais rápido, mas não havia como, o carro da frente havia diminuído a velocidade, estava ele assistindo de camarote, a vida como ela é, o show de horrores que buscamos todos os dias em manchetes e capas de revista, sem nos darmos conta de que vivemos esse mundo em sua totalidade, dia após dia. Mas nós preferimos nos enganar, preferimos acreditar que a violência está longe, no outro bairro, na outra esquina. E talvez, depois de assistir o ato e de voltar a acelerar o carro, a cena seria esquecida e ele voltaria a proteção do seu carro caro e de vidro escuros, deixando de lado, o que acabava de assistir.
Minutos depois, parada na sinaleira, eu estava em choque, tremendo, incapaz de falar. “Que grande fraqueza”, você pode pensar! “Que grande fraqueza!”, posso eu pensar.
“Que mundo é esse?” É o que eu venho a pensar... Ainda sem conseguir me mexer no banco do carro...
Entre a insônia e o sono interrompido eu procurei em todos os jornais, sobre informações sobre aquele episódio, nada encontrei.
Mas agora, quando minha mente se perde, quando eu descuido o pensamento, eu vejo com nitidez um garoto jogado no chão, com uma arma, apontando para os meus miolos.
Eu tento calcular mentalmente quanto vale a vida. E eu tento refazer os cálculos, e eu vejo dois homens, um jogado no chão, o outro no alto, com uma arma na mão. E enquanto procuro moedas na carteira para o pedinte pendurado na janela eu pergunto incessantemente, tendo diante dos meus olhos a vida como ela é, “quanto vale a vida?”, “onde está agora o garoto que ontem estava jogado na rua de mão única?”.
O que quero concluir é que quero correr, o mais rápido possível para longe de tudo, para longe de tudo que não escapa aos olhos, para tudo que faz doer por dentro, sem que eu possa mudar. Quero correr daqui, quero andar e ter paz, não quero ver o que não pode deixar de ser visto... Eu não quero ver, mas eu não posso fechar os olhos. Eu quero acreditar que possa existir outra forma de ver a vida como ela é...

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Sobre erros e acertos


Eu prometi que escreveria sobre como tudo deu certo, como os erros foram acertados, como o tempo vem passando, como tenho me reestruturado.
Eu me comprometi a um (re)olhar sobre o mundo, a desconstruir e construir tudo de novo. A abrir um riso depois de tanto choro contido.
Eu me comprometi a reescrever a história, a refazer os passos, a mudar a trajetória.
Mas veja bem, eu não fiz nada disso. Eu continuo sentada na cadeira baixa, numa sala de pouco sol, em que deixando os papéis de lado eu escrevo esse relato enquanto escuto os murmurinhos burocráticos.
Eu estou aqui com a mesma dificuldade em respirar, com a atenção voltada para a altura da janela. Não se preocupe, eu não vou me jogar...
Eu sigo em desespero, no quarto fechado, indo em frente com os olhos vendados...
Mas eu sei o que prometi e eu consigo ver que a vida é feita de erros e acertos. Eu anoto o valor dos erros, eu os recalculo.
Eu me redefino nos erros que cometi, eu começo a refazer o caminho sabendo que agora tomo a encruzilhada certa levando junto o ganho que os erros me trouxeram...
Eu vou voar no tempo conquistando as rosas depois das pedras. Eu vou levar apenas aquilo que sou eu. Todo o resto ficará eu caixas e eu não vou me importar se estarão mofando ou se pegarão fogo...
Eu vou deixar tudo isso para trás, os papéis, os textos conceituais, essa sala, os murmúrios da burocracia.
Em breve eu vou atravessar o oceano, sentar em baixo da árvore e escrever sobre como é bom ver o céu dali... Em breve, eu espero que o futuro se torne presente... Em breve, eu espero, que o decorrer dos dias sejam vida, sejam vividos... Em breve, talvez e eu espero eu estarei respirando sem fazer esforço, eu estarei escrevendo, eu estarei vivendo o que eu sou.
Em breve, eu estarei rindo dos erros, agradecendo por eles... Em breve, essa capa sobre mim, será deixada para trás. Eu vou olhar para a altura da janela e voar, voar...

domingo, 10 de maio de 2015

Foi um erro...


Foi um erro acreditar na vida, acreditar que a mudança viria de algo fora de mim...
Foi um erro trancar a porta, trocar de casa, de cidade, para viver escondida num buraco... Foi um erro trocar a música...
Foi um erro trocar de rumo, de estudo... Foi um erro deixar de lado o que se é.
Foi um erro dizer sim. E foi um erro não virar de costas, voltar para o caminho pobre. Foi um erro abandonar o caminho que ninguém quer...
Foi um erro preferir o amor alheio ao amor próprio...
Foi um erro não escutar a chuva batendo na janela, chamando pra ver que a vida ainda acontece...
Foi uma sucessões de erros que fizeram de mim o próprio erro...
Foi um erro acreditar que tudo seria diferente estando no mesmo lugar, fechando os olhos pra si, fechando os olhos para ver que se é a carta errada, num baralho errado... Foi um erro não notar que se é o curinga do baralho...
Foi um erro projetar o futuro sem olhar e refazer os passos dado no passado...
Foi um erro não acreditar na solidão... Foi um erro não seguir pela contramão... Foi um erro não deixar o raio, depois do trovão, chegar até à mão...
Continua sendo um erro esconder o choro manchando o rosto. É um erro dizer que está tudo bem. Está tudo fora do lugar...
É um erro pensar que a falta de ar não quer dizer nada... É um erro continuar nisso, sorrindo amarelado...
É um erro que vai me matar, acreditar que o tempo vai voltar e que os erros serão desfeitos... 

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Doente


Lá for a chuva cai, aqui dentro eu estou doente...
Conforme o tempo passa fico mais e mais doente. Minhas mãos começam a atrofiar por não tê-las usado para contar tantas história que gostaria de ter contado... Começo a limitar os passos que dou...
Estou mais fraca, olhando pela janela, vendo a chuva cair, vendo a vida passar.
Estou vendo as lombas dos livros no canto da mesa, eu perdi completamente a ânsia em lê-los... Na boca, perdi o gosto de tudo... E as lágrimas eu as seco antes que cheguem ao canto da boca...
Olho ao redor tentando buscar explicações, um mísero sentido para algo que me rodeia...
Doente, estou cada dia mais cinza... E minha fraqueza me mantém imóvel, numa vida que acontece entre quatro paredes...
Estou cinza, olhando para as paredes brancas imaginando-as coloridas...Se houvesse uma parede falsa e eu pudesse fugir para longe, para o outro lado, onde neva, onde as cerejeiras florescem...
Estou fraca, doente e beirando a demência, trancada longe dos objetos cortantes. O tempo está passando e é cada vez mais pesado respirar...
Estou longe de todo risco, da possibilidade da dúvida, da tentativa e do recomeço... Estou cada vez mais doente e insana...

terça-feira, 14 de abril de 2015

Despida


Escrevi uma carta com uma caneta nova... Com tinta liquida escrevi uma carta sobre o passado, sobre o outro lado...
Escrevi uma carta, em que nas entrelinhas deixei em branco que vou mudar a cor do cabelo, vou pintar de uma cor mais forte meus lábios, vou tirar o esmalte e me despir da carga que levo nos ombros.
Esteja certo, eu não sou o que sou. O que se vê do outro lado da rua não existe. E por isso eu vou me despir e comprar lápis de cor, livros de arte e voltar a ler Saramago...
Depois de ontem, sentada num banco extenso, no centro da cidade eu compreendi porque não vivo, eu vi o porquê que a vida passa pela janela e eu só abano.
Não sei quando vou embarcar no trem, quando vou fazer as malas, embalar os objetos da sala. Por hora preciso me despir...
Quero me despir e estar livre, passar fome, começar de novo depois de voltar três casas.
Mas, por favor, me deixe começar de novo para que eu possa respirar sem sentir dor no peito, sem o desespero de estar sufocando, não sentindo meu pulmão se encher de ar!
Deixe que eu grite esse choro pesado, esse choro feito de sangue e de tempo... Deixe-me viver despida e livre!
Deixe que eu viva sem poupança, sem investimentos imobiliários, deixe eu andar por museus, por casas abandonas, deixe que eu escreva a minha história...
Deixe que a vida seja, que eu seja, que eu veja a vida aos meus olhos... Porque nos meus olhos ela não é código, nem artigo de lei... Aos meus olhos a vida é arte, é folha em branco que dança ao vento...
Por isso depois desse choro pesado, feito de sangue e de tempo eu quero me despir e estar livre.

sábado, 11 de abril de 2015

Sobre dúvidas e pontos finais...


Existe uma dúvida em mim, não sei se é unicamente minha.
Mas, de tempos em tempos, eu acordo de madrugada e lembro de tudo que existiu, por um segundo...
Existe uma dúvida que ficou sem ponto final, nem exclamação... No entanto, as vezes sou assombrada com uma grande interrogação...
E num dia de sábado ensolarado e quente, eu bebo o chá já frio da xícara e busco sinais de resposta entre as fotos e palavras trocadas, escritas... Das frases feitas que decorei...
Não se trata de falta de amor próprio ou de ter ficado no passado, parada no tempo. É que aqui, restaram porções de sentimento mal explicados...
Existe uma dúvida e eu as multiplico enquanto troco uma foto por outra em minhas mãos, enquanto escuto as canções que fiz serem escutadas do outro lado do mundo...
Enquanto escrevo, fico na espera de uma resposta, que talvez nunca chegue... Não passa de um toque de esperança. Não é a esperança de que tudo acabe como nas novelas, mas de que se possa eliminar as interrogações e seguir, sem acordar de madrugada e relembrar tudo sempre, pensando em como poderia ter sido e não foi.
Talvez você já tenha esquecido tudo, tenha seguido a vida, eu também segui. Mas como uma sonhadora inconsequente, que quer a vida intensamente, eu vou imaginar quando me depararei com você, em alguma esquina, com a mão no bolso. E, de repente, eu saberei que tudo já passou, talvez aí poderei escrever uma carta com ponto final...

O amigo do futuro...

Entrou na sala, procurou um lugar naquele semicírculo de cadeiras pesadas e duras.
Sentou-se, abriu o caderno, preparou a caneta, conversou com os colegas que chegavam e começavam a ocupar as cadeiras ao seu redor.
Quando a aula começou, levantou a cabeça e olhou para quem falava. Era o professor, sentado, também ele em uma daquelas cadeiras desconfortáveis e azuis, exatamente a sua frente, numa linha reta, quase perfeita.
Diante de seus olhos, achou que, de repente, o tempo havia passado e ela tinha ficado no passado.
Aquele senhor à sua frente era o amigo de anos passados, o companheiro da adolescência, o cara que assistia com ela filme francês, preferia vinho a cerveja e era, talvez, um apaixonado.
Diante de seus olhos ela reconheceu um amigo, que não sabia quem ela era.
Ela então passou a tarde olhando para aquele homem a sua frente, um desconhecido conhecido. Com os mesmos trejeitos, a mesma forma de sentar, a mesma forma de falar e de vestir, continuava magro e usando camisas azuis...
Inevitavelmente ela lembrou-se de quando ele fora mais jovem... Ainda ouvia rock and roll e lia livros de literatura? Ainda gostava de chocolate?
Naquele homem a sua frente, teve uma amostra do futuro. Inevitavelmente se perguntou se, nos dias que se aproximariam, ela e o amigo se reconheceriam ainda. Ou se seriam estranhos sentados um em frente ao outro, olhando-se como se, de algum lugar, se conhecessem.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Na estrada



Veja bem você, o mundo é grande. Perdi uns minutos entre uma arrumação e outra e olhei no mapa.
O mundo é grande, percebi, e eu não consigo alinhar a distância entre eu e você. Eu desconheço a linha reta de um ponto ao outro.
Em vez disso, conheci as curvas e deu tempo de notar as ervas daninhas que nascem rente ao asfalto. E vi que o mato na beira da estrada está grande demais, atrapalhando a visão.
Esse mundo, eu olho no mapa e vejo a distância em menor escala, conto nos dedos horas em quilometragem, olho para o relógio...
O mundo é grande, eu sei, e possivelmente seja maior do que se possa ver.
O mundo é grande e eu não conheço a cidade ao lado. Fique caçando pernilongo, perdi a carteira de motorista, desisti de ter um carro, não sei me equilibrar numa bicicleta, parei de correr quando começou a escurecer, dei meia volta...
Talvez em breve, eu coloque o pé na estrada, de verdade, talvez eu não leve todas as coisas, apenas umas roupas, alguns livros, um bom par de tênis, um óculos de sol e todos os sonhos que existem em mim, todos os desejos que tenho na pele...
Talvez em breve eu veja o sol se colocar entre os prédios de concreto da cidade, e sem pressa eu ficarei ali, na sacada, vendo o sol sumir, vendo o escuro da noite chegar, vendo as luzes da cidade serem acesas... Sentindo toda a banalidade cotidiana eu vou escrever...
Quando isso passar, eu vou lhe contar uma história, tocar sua mão, talvez beija-las... Talvez, quando isso acontecer, não existam mais rótulos nem anéis, nem talvez, talvez ainda exista amor e um pouco menos de teoria, um pouco menos de linearidade, um pouco mais de loucura, um pouco mais de vontade...
Assim a gente recorda a estrada. O caminho de chão e a estrada...

domingo, 29 de março de 2015

Entre os achados


Às vezes é preciso remexer as caixas, puxá-las do armário, trocar de lugar, relembrar de coisas do passado. E muitas vezes se faz isso sem saber o porquê!
Mas nos últimos tempos eu tenho feito isso com mais frequência. Talvez seja uma tentativa, uma corrida louca na tentativa de me encontrar, de entender o que estou fazendo, afinal!

E quando eu puxo as caixas, e abro o envelope, e tiro os postais, o livro, a carta, o guia, eu encontra o que preciso para me lembrar o que eu já sabia! E eu releio os escritos de quem teve coragem, de quem teve força e que sabia o escrever significava...

"Quando escrevo, sinto um alívio, a minha dor desaparece, a coragem volta." (Anne Frank)


Guia sobre o Museu de Anne Frank, em Amsterdã.

quarta-feira, 25 de março de 2015

Um pouco de nostalgia e saudade


Sentada numa cadeira giratória eu pensei num toca discos tocando músicas francesas, sentada na cadeira e girando eu vi grandes caixas de papelão, onde guardo coisas do passado, num canto, no chão.
Parei a cadeira, tirei as caixas do lugar, tirei para fora os envelopes, as pastas, os cadernos e os livros.
Achei um embrulho em papel amarelo, havia remetente, destinatário e CEP. Era de outro país.
Dentro do envelope gorducho, uma carta, um livro, postais do velho mundo, muitos lugares...
Folheei o livro, de trás para frente, de frente para trás, reli os postas, um por um e na ordem em que formam enviados.
Aumentei o volume, tocava uma canção francesa...
Esqueci de olhar as horas e fiquei ali, sentada no chão comendo pó enquanto relia, enquanto sentia rememorar aqueles dias, as conversas infindáveis, enquanto lembrava de tantas e tantas coisas, de conversas que terminavam em brigas, de conselhos que não foram colocados em prática, de chegadas que não chegaram.
Senti saudade e na nostalgia tive uma espécie de orgulho de ter em mim um universo de coisas bem vividas a serem lembradas.


E incrivelmente o nome deste documento foi denominado de 8 pelo word!

quinta-feira, 19 de março de 2015

Carta sobre o parágrafo


Não teria outro jeito de eu viver se não fosse escrevendo. Não que eu tenha algo a dizer, não que eu saiba escrever, não que eu tenha em mim enredos perfeitos, bem estruturas e personagens bem delineados. Não, não é nada disso...
É só porque, no fim, eu tenho muita coisa, que dia após dia, eu gosto de relembrar. E as vezes, - nos últimos tempos, mais do que antes - eu vou atrás de ler o que você já escreveu por aí e nem lembra mais e nunca mais releu.
Será que eu li o livro todo? Ou deixei alguma vírgula para trás? Porque depois da volta tudo ficou pela metade e cada um seguiu com a sua...
Me perguntei agora se ainda sorrio da mesma forma de quando você me conheceu. Mas você parou de escrever e talvez eu tenha parado de sorrir tão facilmente como antes, quando sentávamos no deque e víamos o sol se afastar ao longe.
Vivi dias felizes e vivi cada segundo mesmo que, talvez, agora eles pareçam que tenham sido pela metade e, por hora, eu gostaria de ter essa outra.
Talvez hoje nossas conversas fossem completamente diferente. Você estaria preocupado com o futuro e eu estaria, ainda, preocupada em saber o que vou fazer da vida. Porque eu não sei. Talvez, poderíamos ter conversado do muro, de costas para o rio, sob as árvores com folhas verdes...
Tudo muda, tudo muda o tempo todo e eu não tenho o que lamentar, mas aqui sentada, de frente a janela e com os pés gelados de frio eu preciso encontrar uma forma de vida, de sobrevida. Eu a descubro enquanto escrevo, enquanto busco sinais que até agora não chegaram. E eu me pergunto onde estarão os brincos, as cartas de baralho, nossos semblantes tão parecidos e tão serenos da fotografia...
Eu me pergunto se ainda escuta aquelas músicas, se existe algo de nós... Em nós...
Não se preocupe, o que eu espero é que você esteja verdadeiramente feliz... Porque um dia, talvez, seja preciso ler o livro uma segunda vez para entender o parágrafo...

sexta-feira, 6 de março de 2015

A letra.


Minha letra não é bonita de se conhecer. Mas trago nas mãos o “sentimento do mundo” e quando chego ao papel em branco, cheio de interrogações, exclamações e três pontos, eu transbordo.
Minha letra não é bonita, mas não importa... Ainda sou capaz de escrever, numa letra que poderia ser chamada de garrancho... E depois, ainda, talvez seja compreensível de ler.
Ninguém mais conhece letra alguma, nem de forma, nem discursiva. Eu guardo o pouco que tenho de quem, a mim, já tenha escrito à mão, como um trabalho artesanal, como algo especial. E é bom tocar a letra de alguém, com a ponta dos dedos e sentir as ondas no papel feitas pela força da mão formando letras.
Minha letra não é bonita, mas gosto de fazê-la com caneta azul, gosto de apontar o lápis e escrever... Minha letra não é bonita...
Mesmo tendo feito muita caligrafia, minha letra não é bonita, nem conhecida. Ninguém mais conhece a letra de ninguém...
Talvez um dia escreverei um livro chamado A letra... Sobre tanta letra desconhecida, sobre tantos traços que guardo, sobre tantas ondas feitas em papel dobrado. 

segunda-feira, 2 de março de 2015

Era madrugada e ela trocava de canal...


Era madrugada, o sono se dissipava no ar, ela trocava de canal, não procurava por nada, divagava. O vinho da taça havia acabado. Continuava com os olhos bem abertos e com resquícios de maquiagem em seu rosto.
Naquela madrugada, depois de um fim de tarde chuvoso, ela voltou a ser quem ela era, desperta na madrugada, procurando quem ainda andaria por aí, dando também.
Achou um filme já visto, baseado num livro já lido. Enquanto a história transcorria como, pensou que, talvez, as fotos não fossem apenas recordações, não fosse apenas memórias do passado. As fotos eram pedaços de sentimentos que não se apagaram nas fotos e que estariam guardados em uma caixa para que fosse possível seguir o futuro, mas incapaz de serem descartadas, ficavam escondidas em uma caixa, em algum lugar da casa.
Ela estava em silêncio, em frente à TV, ao acaso da programação, vendo um filme já visto, um simplório romance adolescente, mas que lembravam tanto dela, tanto aquela adolescência solitária, de livros proibidos pela sua fragilidade, de crises e dramas, cheia de um amor interrompido, levado as pressas.
Pensou em sua máquina de escrever jogada num canto, pensou nas fotos que, tinha certeza, não rasgaria nem jogaria no lixo. E pensou uma vez mais nos retalhos de sentimentos que ficaram e que não mudariam, mesmo quando tudo já houvesse mudado. Mesmo quando houvesse silêncio demais, desaparição demais quanto aos resquícios do que havia passado.
Pegou o filme pela metade, a cena em que dançam juntos havia passado...
Desligou a TV, foi escutar música em volume baixo... Sem medo da noite, da janela de vidro, ou do silencio de estar só, ela voltava a ser o que era, o que jamais deixaria de ser.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A estranha


A vida acontecia do outro lado e ela abanava da janela. Depois do vidro empoeirado existia uma fração de um mundo, que girava, era o que ela possuía da vida ali.
Pensou que seu cabelo, não voltaria a ter a forma de antes, nem os fios clareados pelo sol constante de antes...
Olhou pela janela, tentou enxergar a rua e saber o que acontecia lá. Teve vontade de chorar, não conseguia ver nada. Ouviu a sirene...
Continuava cega e parada ali sem saber se naquela tarde choveria. Sim, escurecia e começaria a chover.
Ali havia uma única e pequena janela.
E era dali que ela via, apenas, um fragmento da vida, dias que andavam aos passos lentos, demorados, iguais uns aos outros. Mas que, quando, de repente, ela parava e olhava para trás, sendo capaz de ver, notava que os anos haviam andado rápido demais e, talvez, não demoraria para que alguns fios de cabelo branco aparecessem, precocemente, em sua cabeça doentia. Ela não seria mais tão jovem, isso a deixava assustada, apavorada. Queria viver tudo e um pouco mais.
Ouviu o barulho dos trovões, não demoraria para chover...
Ela, que desejava a vida de forma desmedida, intensa, bem vivida, perdia, dia após dia, mais movimentos, perdia os passos e o estender dos braços.
Pensou que, talvez (outra vez) teria que chegar ao fundo do poço para se reerguer... Mas o tempo, esse jamais voltaria... Seria capaz do recomeço quiçá (um sinônimo)...
Talvez não agora, não hoje. Porque, naquele momento, ela não passava de uma desconhecida, numa cidade ainda estranha, vivendo entre os ruídos da construção.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Uma tarde qualquer...


Talvez fosse uma tarde qualquer como outra, no meio da semana, num dia em que nada se comemora. E ela estava sozinha em casa, imaginando algo diferente daquilo que vivia...
Na TV o cinema italiano, em suas mãos uma xícara de café com pouco açúcar, lá fora um barulho de máquinas e paredes sendo quebradas, uma reforma que começou no inicio da semana...
Ela estava em frente a TV, acreditando estar assistindo um filme italiano. Ela estava fingindo ver as calçadas de algum lugar da Itália, fingindo ouvir as canções de ritmo italiano, fingindo estar com fome diante dos pratos de massa italiana, fingindo acreditar no amor, diante dos amores italianos... Ela era capaz de imaginar a vida acontecendo, mas resumia-se a um filme tosco da TV, limitava-se ao espaço que ocupava no sofá...
Olhou para as paredes de sua casa e pensou em outro lugar com corredores largos, com salas extensas, com uma janela que desse para um  jardim em que pudesse andar…  Um lar em que pudesse ir de um cômodo para outro gastando mais tempo, em que olhasse para o relógio e os ponteiros tivessem andado...
Lembrou-se de estrelas brilhantes que colou com fita no teto do quarto. Seriam, ainda, capaz de se deixar enganar pela nitidez da forma de cada estrela de plástico do teto, que brilhavam depois que a luz fosse apagada?
Pensou no livro que desejava escrever, bebeu um gole de café…
Desenvolveu mentalmente as ideias que queria escrever em algum texto. Mas se manteve imóvel no sofá, sem se dar contar que as ideias iriam embora, que a ânsia e vontade de escrever iriam se desfazer e que ela continuaria sentado no sofá, vendo um filme italiano romântico que passava na TV e que talvez, ela só se levantaria para fazer uma outra xícara de café com pouco açúcar...
Notou que não poderia escrever crônicas limitando a vida à tela da TV, passou a escrever em terceira pessoa...



sábado, 21 de fevereiro de 2015

A garota que fazia guerra...


Num lugarejo distante havia um garota de olhos profundos que fazia guerra...
Sem saber o porquê cada vez que ela falava uma guerra eclodia, uma bomba explodia. A doce garota falava e retalhava parte do planeta...
Em algum lugar uma garota de cicatriz no corpo resolvia falar e alguém se calava sem retrucar...
A garota falava e falando, era capaz de matar...
Em algum lugar do mundo, uma garota de olhos chorosos se escondia entre árvores, em dias de chuva. De lá ela chorava sem que ninguém a pudesse ouvir. Lá ela ficava até desaparecer as manchas vermelhas do seu rosto...
E se calando, e chorando sem que ninguém soubesse, o mundo estava a salvo, era um cessar fogo de uma guerra sem fim...
Num lugar distante, uma garota falava e alguém ao seu redor chorava. A garota falava e alguém suspirava, alguém gritava, alguém se irritava, alguém ia embora...
Em algum lugar do mundo, uma garota desajeitada falava, mas ninguém entendia. Uma bomba explodia. O cachorro fugia...
Numa rua distante, sentada na porta da casa vazia uma garota gostava de dias cinzas, o sol cansava-lhe as vistas...
Uma garota, então, em algum lugar do mundo, escondida em baixo de árvores, controlando o soluço e o choro, vazia, cortou a língua, calou a fala e passou a escrever poesia.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Fotos de cabine...


Sozinha no apartamento de paredes brancas e vazio, resolvi abrir as caixas deixadas num canto qualquer, esquecidas...
Eram papéis, textos da faculdade, fotos da escola, cadernos, bilhetes, cartas e chaveiros.
Escondidas num plástico transparente encontrei as fotos de cabine que eu achava que estavam perdidas...
Entre mapas e cartões postais, eu as encontrei as fotos tiradas numa cabine apertada e velha, numa estação de trem, enquanto todos estavam andando rápido de um lado para o outro contanto a velocidade dos ponteiros.
Numa cabine velha e barulhenta, foram tiradas fotos de brincadeira...
Perdida em lembranças entre lugares, árvores, sol, rio e monumentos, esqueci que havia deixado a chaleira no fogão. A água estava fervendo. Corri para desligar o fogão...
Entre mapas e postais eu encontre as fotos tiradas numa cabine. Fiquei nostálgica sem lamentar, sem me importar com o rosto inchado, com o cabelo desajeitado, com a pele manchada, de como estava naquele dia...
Entre mapas, postais e bilhetes de trem, eu encontrei as fotos tiradas numa cabine que não existe mais...
Eu pude escrever...

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Para lá...


Está tocando canções francesas aqui...
Incapaz de escrever um única frase pro artigo em que tento entender, melhor, Marx. Estou paralisada, alienada, como um trabalhador que desconhece o que produz...
Me rendi a tantos conceitos, fui ler qualquer coisa, fui buscar literatura, algum conto, algum texto. 
Lembrei-me de blogs que costuma ler, espaços virtuais que foram abandonados. Releio os textos antigos.
Busco as músicas que costumava escutar, que arriscava cantar em voz alta.
Inquieta. Na minha mesa não vejo a minha carteira nem o baralho. Na minha carteira não tem fotos, nem fios de cabelo. Perdi as fotos tiradas na cabine. Perdi a coragem que tinha em mim.
Tomo chá contando os goles...
O mundo acontece lá fora, eu continuo aqui, tentando desenhar um mundo que possa ser vivido daqui, que seja parecido com algo que poderia se fazer antes, com poucas retas, em pequenos trajetos...
Quando eu sufocava de emoção, quando esperava na escada, quando olhava pela janela e imaginava o mundo acontecendo. Eu estaria no mundo...
Em algum lugar por aí, alguém já me esqueceu. Mas enquanto escrevo coisas sem sentido, eu lembro de conversas em bar, de andar pelas ruas silenciosas, com árvores na calçada. Foi bom sentar nas docas e olha o rio dançar com o vento.
Vou reler os velhos textos escritos por um desconhecido, vou buscar um pouco de mim, do que um dia eu fui. E vou buscar em mim, aqueles lugares em que acreditei que seria feliz. Mas o tempo corre como a luz e passa. E o mundo se recria.
Um dia, talvez eu possa ver o mundo de outro ângulo. Quero voltar para o outro lado e acreditar, uma segundo vez, que tudo será possível. Que chegarei onde imagino, dia após dia, ser o meu lugar no mundo.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

"..."


Por um lapso, hoje resolvi olhar fotos antigas.
Que nostalgia!
Abri diversas pastas. Lembrei em cada foto, o momento exato em que foram tiradas... Momentos tão diferentes do que vivo hoje... Mas nada a lamentar...
Lembrei da primeira bebedeira, das frases de fala soltas, sem receio de parecer ridícula...
Lembrei de quantas vezes fiz pedidos de casamento.
Lembrei de aulas de filosofia, em que ficava vagando entre o sonho de escrever, de estudar literatura... De jogar tudo pro alto...
Lembrei de alegações de professores. De que, possivelmente, eu estivesse no caminho errado...
E lembrei de fragmentos dessa fração dos dias que vivi e que vão me fazer chorar pro resto da vida...
Lembrei de algo e esqueci...
Recordei um outro país, um outro sotaque... Coloquei para tocar todas as canções que ouvia lá... Senti algo no peito, uma sensação estranha! Um aperto, uma saudade, um soluço de choro que não saiu... Aumentei o volume...
Lembrei de quando cantávamos na rua, de noite, em voz alta e olhando nos olhos...
Lembrei de tantas vidas que já vivi e que, talvez, tenham durado muito pouco...
Lembrei de quando me apaixonei no meio da rua e um ano depois, tudo já estava diferente... As estações já haviam mudado e meu rosto já havia ficado frio e sem expressão...
Lembrei de visitas infinitas e sem motivos à biblioteca, só pela busca de alguma forma de conforto...
Lembrei de quando comprava livros e DVDs sem fazer contas...
Lembrei de quantas vezes eu mudei de ideia...
Tentei lembrar quando havia sido a última vez que tive ânsia de escrever e, por fim, lembrei que na tarde passada, havia prometido tentar escrever mais... Pelo bem da minha saúde emocional... Pelo possibilidade de existir, em mim, alguma esperança de viver com dignidade...
E vendo as fotos e ouvindo velhas canções e puxando na memória tantos dias que se foram, - em que escrevia trecho de músicas nos braços, em que saia de madrugada, em que filosofava sobre a vida entre uma bebida e outro, em que conversava com alguém enquanto voltava para casa, caminhando pela rua vazia, em que olhava fundo e ria, em que bebia sem medo de morrer, em que sonhava com vontade, em que não me preocupava com o agora - e senti uma repentina vontade de viver, viver de forma diferente, de rir alto, dançar na rua, vontade de falar com quem já não vejo há tempo...
E, assim, voltei a escrever...
E escrevendo novamente, senti alguma vontade de viver tudo o que é proibido... Abandonando qualquer formalidade exigida pelo destino...
Escrevi e voltei a normalidade...