segunda-feira, 28 de abril de 2014

De quanto sentimento é feito um poeta?


Ah Drummond, quantas pedras foram achadas pelo caminho?
E quantas faces foram necessárias para moldar sete delas?
Quem foi o carteiro de Neruda?
E de quantos amores viveu Moraes?
Quantos foram infinitos enquanto duravam?

Quanta simplicidade havia nas ruas de Quintana?
Quanta cegueira havia nos olhos de Saramago?
Onde estão os fingimentos de Pessoa?
Na estátua de Lisboa?

O que restou das veias abertas de Galeano?
E o que restou da memória de Gabo?
Já se passaram cem anos?

Há dias em que pergunto:
De quantas dores é feito o mundo?
E da mistura de quantos sentimentos é feito um poeta?
De quanta incompreensão do mundo são feitos
Aqueles que rasgam folhas buscando compreensões?

Onde nasce o poeta?
Onde termina a poesia?
Quantos pegam o lápis?
Quantos transformam a palavra em mundo?

De quantas dores é feito o mundo?
De quantas mãos são feitas a poesia que refaz o mundo?
De quantas perguntas é feita a dúvida?

E de quantas respostas não dadas nasce à poesia?

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Notícias de um acidente.


Passados alguns dias, acho que já posso escrever...

Grandes feriados servem para rumarmos junto daqueles que amamos e que passamos muito tempo longe. 

Foi isso o que aconteceu na última quinta-feira, quando arrumamos a mala, entramos no carro e pegamos a estrada para ver meus pais e irmãos...

Tenho medo de estradas, medo de viajar, medo dos grandes caminhões e medo de motoristas inconsequentes e irresponsáveis.

Mas, dias que deveriam ser felizes, cheios de risos, abraços e saudades abandonadas, nem sempre são assim...

Era quase sete horas da noite, véspera de feriado e estávamos a poucos quilômetros da cidade dos meus pais. Havia muitos carros e o trânsito estava bastante lento devido a uma colheitadeira. A nossa frente, um caminhão, atrás, um carro pequeno...

Estávamos praticamente parados (devido à lentidão do trânsito) quando sentimos uma pancada atrás e logo após outra batida, um pouco mais forte...

Ainda recordo do Lauro que tentava me abraçar e me levava para perto do corpo dele, enquanto eu via meu corpo ficando cada vez mais perto do parachoque do caminhão à frente...

Logo depois ouvimos gritos desesperados de um pai que segurava em seus braços o filho desacordado, sangrando, após um caminhão carregado com 19 toneladas ter batido na traseira do seu carro.

Essa criança, agora está na UTI, com fratura no crânio...

Ressoa em mim os gritos do pai dizendo que o filho, era a única coisa que ele possuía...

Saímos do carro e começamos a entender o que estava acontecendo. Entre tantas vezes, em que passávamos por acidentes, em que eu tentava imaginar o que havia acontecido, agora eu estava do outro lado da pista, eu era vítima da violência das estradas... Tentei ficar o mais calma possível e dar suporte para quem sofria mais do que eu...

Um filme passou pela minha cabeça...

Comecei a tremer, tremo ainda agora enquanto retomo á memória uma noite de desespero, de medo... Não consegui dormir nas primeiras noites, acordava assustada, lembrando do que havia acontecido, sentindo o peso da noite de luzes apagadas...

Sentia e sinto o desespero sem tamanho ao pensar do que poderia ter acontecido, em como nossas vidas poderiam ter se esvaído em frações de segundos que se arrastavam à baixo de um caminhão, fiquei pensando em como é tênue a linha que separa um acidente de uma tragédia, fiquei pensando e tentando imaginar o que o Roger sentiu quando a vida dele se perdeu numa estrada reta, se ele sofreu, se entendeu o que acontecia... Tentei entender o que tudo aquilo significava, o que tudo aquilo queria dizer... Chorei de medo...

Agradeci (não sei se a vida, a Deus, ao destino ou a sorte) por tocar o Lauro e sentir que a mão dele estava quente, agradeci por ter como única marca de um acidente um hematoma na perna, agradeci por consegui abraçar minha mãe e meu pai e chegar em casa... Agradeci por estar viva...

Não sei como serão os próximos dias, os próximos tempos, não sei quais serão os próximos assombros que terei. Sei que a vida segue seu rumo, sei que terei de remendar os estilhaços da minha alma de alguma forma, remendar de alguma forma que não será possível de remendar o vidro quebrado do carro amassado, daqueles pedaços de vidro que eu senti no banco, nas mãos.

Terei que organizar na mente o terror daquela noite, os gritos de um pai, um motorista apavorado, os olhos curiosos daqueles que assistiam de camarote um acidente, um acaso, um mau momento...

A vida segue e eu terei de ter coragem de entrar num carro de novo, pegar a estrada, voltar para outros lugares, para outra casa...

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Incapaz...


Incapaz de encarar os próprios monstros
Fui atrás dos monstros dos outros,
Escondi-me nas sombras,
Parei em ruas sem saídas,
Entendi que existem caminhos sem volta...

Incapaz de compreender todas as canções,
Percebi que existe mais razão na poesia.
Notei que é nas ruas que borbulham as paixões,
Que o grafite faz arte na avenida
E que o povo faz a arte da vida...

O povo inventa, grita
Morre de fome,
Se agita,
Suplica e grita de novo o grito surdo.
Não há volume na mídia...

Incapaz de compreender nitidamente
O que acontece nas ruas,
Atrás dos carros,
Nos bairros sem tetos
Escrevo poesia...

Incapaz de compreender o que significa dormir sob a luz das estrelas,
Incapaz de saber o que é comprar comida do lixão,
Incapaz de conhecer o nascimento no esgoto,
Incapaz de saber o que é morrer no banheiro,
Afogada em sangue...

Os livros não dão todas as respostas...
Os intelectuais escrevem isolados em suas amplas bibliotecas,
Sentados (confortavelmente) na poltrona de couro...
Eles não respondem minhas perguntas...

Incapaz de possuir respostas,
No fim da poesia descubro-me capaz
De uma única compreensão:
Esses monstros que estão aí,
Atormentando a consciência,

São também os meus monstros...