terça-feira, 14 de abril de 2015

Despida


Escrevi uma carta com uma caneta nova... Com tinta liquida escrevi uma carta sobre o passado, sobre o outro lado...
Escrevi uma carta, em que nas entrelinhas deixei em branco que vou mudar a cor do cabelo, vou pintar de uma cor mais forte meus lábios, vou tirar o esmalte e me despir da carga que levo nos ombros.
Esteja certo, eu não sou o que sou. O que se vê do outro lado da rua não existe. E por isso eu vou me despir e comprar lápis de cor, livros de arte e voltar a ler Saramago...
Depois de ontem, sentada num banco extenso, no centro da cidade eu compreendi porque não vivo, eu vi o porquê que a vida passa pela janela e eu só abano.
Não sei quando vou embarcar no trem, quando vou fazer as malas, embalar os objetos da sala. Por hora preciso me despir...
Quero me despir e estar livre, passar fome, começar de novo depois de voltar três casas.
Mas, por favor, me deixe começar de novo para que eu possa respirar sem sentir dor no peito, sem o desespero de estar sufocando, não sentindo meu pulmão se encher de ar!
Deixe que eu grite esse choro pesado, esse choro feito de sangue e de tempo... Deixe-me viver despida e livre!
Deixe que eu viva sem poupança, sem investimentos imobiliários, deixe eu andar por museus, por casas abandonas, deixe que eu escreva a minha história...
Deixe que a vida seja, que eu seja, que eu veja a vida aos meus olhos... Porque nos meus olhos ela não é código, nem artigo de lei... Aos meus olhos a vida é arte, é folha em branco que dança ao vento...
Por isso depois desse choro pesado, feito de sangue e de tempo eu quero me despir e estar livre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário