quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

A estranha


A vida acontecia do outro lado e ela abanava da janela. Depois do vidro empoeirado existia uma fração de um mundo, que girava, era o que ela possuía da vida ali.
Pensou que seu cabelo, não voltaria a ter a forma de antes, nem os fios clareados pelo sol constante de antes...
Olhou pela janela, tentou enxergar a rua e saber o que acontecia lá. Teve vontade de chorar, não conseguia ver nada. Ouviu a sirene...
Continuava cega e parada ali sem saber se naquela tarde choveria. Sim, escurecia e começaria a chover.
Ali havia uma única e pequena janela.
E era dali que ela via, apenas, um fragmento da vida, dias que andavam aos passos lentos, demorados, iguais uns aos outros. Mas que, quando, de repente, ela parava e olhava para trás, sendo capaz de ver, notava que os anos haviam andado rápido demais e, talvez, não demoraria para que alguns fios de cabelo branco aparecessem, precocemente, em sua cabeça doentia. Ela não seria mais tão jovem, isso a deixava assustada, apavorada. Queria viver tudo e um pouco mais.
Ouviu o barulho dos trovões, não demoraria para chover...
Ela, que desejava a vida de forma desmedida, intensa, bem vivida, perdia, dia após dia, mais movimentos, perdia os passos e o estender dos braços.
Pensou que, talvez (outra vez) teria que chegar ao fundo do poço para se reerguer... Mas o tempo, esse jamais voltaria... Seria capaz do recomeço quiçá (um sinônimo)...
Talvez não agora, não hoje. Porque, naquele momento, ela não passava de uma desconhecida, numa cidade ainda estranha, vivendo entre os ruídos da construção.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Uma tarde qualquer...


Talvez fosse uma tarde qualquer como outra, no meio da semana, num dia em que nada se comemora. E ela estava sozinha em casa, imaginando algo diferente daquilo que vivia...
Na TV o cinema italiano, em suas mãos uma xícara de café com pouco açúcar, lá fora um barulho de máquinas e paredes sendo quebradas, uma reforma que começou no inicio da semana...
Ela estava em frente a TV, acreditando estar assistindo um filme italiano. Ela estava fingindo ver as calçadas de algum lugar da Itália, fingindo ouvir as canções de ritmo italiano, fingindo estar com fome diante dos pratos de massa italiana, fingindo acreditar no amor, diante dos amores italianos... Ela era capaz de imaginar a vida acontecendo, mas resumia-se a um filme tosco da TV, limitava-se ao espaço que ocupava no sofá...
Olhou para as paredes de sua casa e pensou em outro lugar com corredores largos, com salas extensas, com uma janela que desse para um  jardim em que pudesse andar…  Um lar em que pudesse ir de um cômodo para outro gastando mais tempo, em que olhasse para o relógio e os ponteiros tivessem andado...
Lembrou-se de estrelas brilhantes que colou com fita no teto do quarto. Seriam, ainda, capaz de se deixar enganar pela nitidez da forma de cada estrela de plástico do teto, que brilhavam depois que a luz fosse apagada?
Pensou no livro que desejava escrever, bebeu um gole de café…
Desenvolveu mentalmente as ideias que queria escrever em algum texto. Mas se manteve imóvel no sofá, sem se dar contar que as ideias iriam embora, que a ânsia e vontade de escrever iriam se desfazer e que ela continuaria sentado no sofá, vendo um filme italiano romântico que passava na TV e que talvez, ela só se levantaria para fazer uma outra xícara de café com pouco açúcar...
Notou que não poderia escrever crônicas limitando a vida à tela da TV, passou a escrever em terceira pessoa...



sábado, 21 de fevereiro de 2015

A garota que fazia guerra...


Num lugarejo distante havia um garota de olhos profundos que fazia guerra...
Sem saber o porquê cada vez que ela falava uma guerra eclodia, uma bomba explodia. A doce garota falava e retalhava parte do planeta...
Em algum lugar uma garota de cicatriz no corpo resolvia falar e alguém se calava sem retrucar...
A garota falava e falando, era capaz de matar...
Em algum lugar do mundo, uma garota de olhos chorosos se escondia entre árvores, em dias de chuva. De lá ela chorava sem que ninguém a pudesse ouvir. Lá ela ficava até desaparecer as manchas vermelhas do seu rosto...
E se calando, e chorando sem que ninguém soubesse, o mundo estava a salvo, era um cessar fogo de uma guerra sem fim...
Num lugar distante, uma garota falava e alguém ao seu redor chorava. A garota falava e alguém suspirava, alguém gritava, alguém se irritava, alguém ia embora...
Em algum lugar do mundo, uma garota desajeitada falava, mas ninguém entendia. Uma bomba explodia. O cachorro fugia...
Numa rua distante, sentada na porta da casa vazia uma garota gostava de dias cinzas, o sol cansava-lhe as vistas...
Uma garota, então, em algum lugar do mundo, escondida em baixo de árvores, controlando o soluço e o choro, vazia, cortou a língua, calou a fala e passou a escrever poesia.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Fotos de cabine...


Sozinha no apartamento de paredes brancas e vazio, resolvi abrir as caixas deixadas num canto qualquer, esquecidas...
Eram papéis, textos da faculdade, fotos da escola, cadernos, bilhetes, cartas e chaveiros.
Escondidas num plástico transparente encontrei as fotos de cabine que eu achava que estavam perdidas...
Entre mapas e cartões postais, eu as encontrei as fotos tiradas numa cabine apertada e velha, numa estação de trem, enquanto todos estavam andando rápido de um lado para o outro contanto a velocidade dos ponteiros.
Numa cabine velha e barulhenta, foram tiradas fotos de brincadeira...
Perdida em lembranças entre lugares, árvores, sol, rio e monumentos, esqueci que havia deixado a chaleira no fogão. A água estava fervendo. Corri para desligar o fogão...
Entre mapas e postais eu encontre as fotos tiradas numa cabine. Fiquei nostálgica sem lamentar, sem me importar com o rosto inchado, com o cabelo desajeitado, com a pele manchada, de como estava naquele dia...
Entre mapas, postais e bilhetes de trem, eu encontrei as fotos tiradas numa cabine que não existe mais...
Eu pude escrever...

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Para lá...


Está tocando canções francesas aqui...
Incapaz de escrever um única frase pro artigo em que tento entender, melhor, Marx. Estou paralisada, alienada, como um trabalhador que desconhece o que produz...
Me rendi a tantos conceitos, fui ler qualquer coisa, fui buscar literatura, algum conto, algum texto. 
Lembrei-me de blogs que costuma ler, espaços virtuais que foram abandonados. Releio os textos antigos.
Busco as músicas que costumava escutar, que arriscava cantar em voz alta.
Inquieta. Na minha mesa não vejo a minha carteira nem o baralho. Na minha carteira não tem fotos, nem fios de cabelo. Perdi as fotos tiradas na cabine. Perdi a coragem que tinha em mim.
Tomo chá contando os goles...
O mundo acontece lá fora, eu continuo aqui, tentando desenhar um mundo que possa ser vivido daqui, que seja parecido com algo que poderia se fazer antes, com poucas retas, em pequenos trajetos...
Quando eu sufocava de emoção, quando esperava na escada, quando olhava pela janela e imaginava o mundo acontecendo. Eu estaria no mundo...
Em algum lugar por aí, alguém já me esqueceu. Mas enquanto escrevo coisas sem sentido, eu lembro de conversas em bar, de andar pelas ruas silenciosas, com árvores na calçada. Foi bom sentar nas docas e olha o rio dançar com o vento.
Vou reler os velhos textos escritos por um desconhecido, vou buscar um pouco de mim, do que um dia eu fui. E vou buscar em mim, aqueles lugares em que acreditei que seria feliz. Mas o tempo corre como a luz e passa. E o mundo se recria.
Um dia, talvez eu possa ver o mundo de outro ângulo. Quero voltar para o outro lado e acreditar, uma segundo vez, que tudo será possível. Que chegarei onde imagino, dia após dia, ser o meu lugar no mundo.