domingo, 31 de março de 2013

A noite em que descubro Rubem Alves...


“Minha filosofia pode ser resumida em duas frases latinas: "Tempus Fugit": o tempo foge, passa, tudo é espuma... E "Carpe Diem": colha cada dia como um fruto saboroso que cresce na parede do abismo. Colha hoje porque amanhã estará podre.
Sonho em ter tempo para aprender a vagabundear.”

É mais um sábado qualquer, estou rondando na cozinha, quando, de repente, a televisão consegue chamar minha atenção, na brincadeira da troca de canais é meu pai quem faz o achado (e ele também acaba com a atenção roubada)... O atrativo é Rubem Alves, na sua forma um tanto frágil, magra, mas não menos visionária e sensível...
Eu, mesmo sabendo de sua existência até então não havia despertado para as palavras tão cheias de sentido e sentimento, já que são isso que o escritor deseja despertar em seus leitores, não formas racionais, mas que sua escrita toque o coração humano...
Acabei sentando e vendo até o final daquela matéria incrível, de um dos grandes escritores do Brasil, de uma obra literária. Ele tão cheio de conhecimento, tão repleto da vontade de viver e com um toque de medo da morte...
No fim, já curiosa para saber mais sobre Rubem Alves, debruço-me e eis o que encontro:

“O que tenho sentido? Beleza. Nostalgia. Tristeza. Cansaço. Urgência. A curteza do tempo. Esperança? Sonhei ser um pianista. Mas os deuses tinham outros planos para mim. Gosto de brincar com palavras.
Por isso sou escritor. Escritores e poetas são meus companheiros.”

E eu que também tenho a constante companhia dos poetas e os escritos, posso ir contente, pois o sábado terminou assim, tão válido, rico... Deixou a vontade, a ânsia por novos livros que entrarão para a lista para serem lidos...
Termino a noite assim, jogada no sofá, entre um poeta e um filósofo na televisão, um “filosofo” sentado na cadeira próximo a mim, uma mãe que dorme sentada, e que não deve estar sonhando, enquanto nós dois continuamos divagando, questionando, conversando, simplesmente... Mas eu, eu sei que são esses os momentos que nunca me abandonarão, que ficam tão gravados, marcados a ferro nas boas memórias...

"Golpes duros na vida me fizeram descobrir a literatura e a poesia. Ciência dá saberes à cabeça e poderes para o corpo. Literatura e poesia dão pão para corpo e alegria para a alma. (...) Busco escrever simplesmente o que me dá na cabeça e no coração, embora ainda me sinta amarrado por antigas mortalhas acadêmicas.”
(Rubem Alves)

segunda-feira, 25 de março de 2013

Facetas (ou caretas)...


Num instante:
Estou indo...
Veio, esteve aqui...
Eu continuei sem entender...
Sentei de frente,
Falei como nunca antes,
Sorri, ri, contei,
Olhei...
Daquela noite quente,
Do bar de boa música
E de tantas pessoas e seus copos,
Retorno à memória,
Capto o que não voará da caixinha de lembrança:
 Reflexo de sentir sua mão tocando o braço,
Armadura de proteção
Para o descuidado que esbarrava...
Tão sutil, tão simples,
Tão seu,
Retalho do tempo que agora é meu...
 É, daquela noite, continuamos rindo,
Porque, de repente,
Singelamente,
Como num ataque de espontaneidade,
A face se mostrou em trejeitos engraçados,
Mesmo sem nariz de palhaço:
Boca torta, olhos virados...
O riso incontido veio mesmo assim,
Espontâneo e livre...
Como o outono que chega
E revela a mudança do tempo,
Faz-se sem medo...
Já posso sorrir de longe,
A mão, eu não espero soltar,
Não há porque virar as costas,
Sumir, fugir...
O jeito é ver o por do sol,
Fazê-lo colorido,
Vermelho...
O inesperado fez o quebra-cabeço completo...
Perfeito...

quinta-feira, 21 de março de 2013

Meus dias com a Lana...




O dia hoje começou da mesma forma que vem começando por aqui, tão cotidiano e banal... Tomei demorada e pensativamente minha xícara de café preto e amargo, olhei pela janela, sem chuva nem frio, não pensei duas vezes, peguei a coleira, desci as escadas e chamei, não tardou para que a Lana abandonasse a cara de sono e começasse a abanar o rabinho... Sim, vamos caminhar... Após o ataque eufórico ela sentou, esperou que eu a preparasse e pronto, ela foi para o portão...

Acho interessante que enquanto eu não pego em sua guia, ela dá um passo, mas olha para trás, como se dissesse: só vou se você também for...

Fizemos nossa caminhada tranquilamente, escutamos juntas, algumas falas humanas carregadas de estupidez e insensatez e enquanto eu remoía as tais falas, Lana apenas caminhava, como se aquele simples passeio fosse tão feliz e importante, que nada poderia mudar sua alegria...

Acho mágico perceber nos animais aquilo que, por vezes, tentamos a vida inteira aprender e quase sempre não conseguimos: que para sermos felizes precisamos de pouco, do que é simples, mas essencial...

E nesses dias confusos, de desordem e dilacerados, Lana parece ser a única a trazer-me a calma, a paz de espírito da qual preciso... Ela não exige sucesso, altos salários, nem precisa sentir orgulho por uma declaração de imposto de renda tão grandiosa ou uma profissão de prestígio, Lana está satisfeita por me ver chegar ao portão, mesmo em dia de chuva (e ela morre de medo de água), está bom para ela poder entrar em casa e subir no sofá, mesmo escondida...

Lanoca, sem proferir uma palavra sabe falar muito melhor com seus gestos conscientes... Sentando de frente à mim, colocando suas patas dianteiras nas minhas pernas e escorando a cabeça na minha barriga, pedindo carinho, instantes tão únicos que jamais sairão da minha memória, são os momentos em que acredito que o mundo é um bom lugar para se estar... E que, poder estar perto daquela pivete de quatro patas que costumava roubar meu dinheiro e meu chinelo deixa a vida com um gosto todo especial... e é mais fácil ser feliz e aprender a ser feliz na simplicidade com aquilo que é, realmente, fundamental... E a Lana, certamente, é uma das minhas chaves que abre a portão do paraíso...

Por fim, recordo de Saramago, que também tinha em sua companhia cachorros, em algum texto em que declarou: “Privadas dos animais domésticos as pessoas dedicaram-se ativamente ao cultivo de flores / Destas não há que esperar mal se não for dada excessiva importância ao recente caso de uma rosa carnívora”... Alguma coisa está definitivamente errada no ser humano. Morrerei sem saber o quê. (Cadernos de Lanzarote, 2)

sexta-feira, 1 de março de 2013

Constatações sobre morrer...



Essa noite perdi o sono, fiquei divagando sobre os métodos de suicídio mais eficazes, tentando imaginar o que leva as pessoas a por em prática o ato, que por muitos é considerado de pura covardia e para alguns, outros, de sinal de coragem, desprendimento, liberdade...

A verdade é que nunca tive, eu, uma opinião sobre isso... Mas comecei a vê-lo não mais com os olhos da covardia, mas a partir da percepção da própria vida, dos descaminhos, das ruas sem saídas que vão se apresentando, do corredor frio e que a cada passo vai ficando mais escuro...

Percebi que, de repente, a vida vai perdendo o sentido. As cores, antes vibrantes, agora vão perdendo sua tonalidade e o pó as sobrepõe... E aí, antes de dormir você aprender a rezar pedindo para não acordar mais... E você acaba ficando de óculos escuros dentro do supermercado para que ninguém ache estranho alguém que chora entre as embalagens...

Estou perguntando se existe mais alguém que se sinta fora do próprio corpo, fora de si mesmo, em outro mundo, no poço...

E você percebe que o tempo andou e a cada tempo, já passado, suas asas foram cortadas sem dó, sem pena de fazer de um ser um andante a mais no mundo... Ter em si outra essência abre um leque de tristeza a ser enfrentado e exige coragem... E depois de ter as asas cortadas, há quem pense que o melhor é seguir sem asas, assumindo seu papel na multidão e não há como julgar a escolha feita, tentar derrubar a multidão exige coragem demais...

Mas ainda, há os que mesmo tendo as asas cortadas insistem em deixá-las crescer novamente, mas nem sempre conhecem a dor, a angústia, o amargo e a solidão que vão viver todos os dias, na insônia, na frustração em meio a pessoas... Arriscam em tornar-se uma árvore, criando novamente os galhos depois da poda, esperando a primavera chegar para deixar as folhas criarem-se...

E é por isso que deixo de crer na abstenção da própria vida como algo pervertido, banal, covarde ou fraco... Pode ser que o ato mais covarde seja aceitar viver sem as próprias asas, enganando-se a cada momento, a cada inspiração e respiração que você passa a prestar atenção, se é capaz de pará-la...

Dizem que é preciso coragem para viver, mas é preciso de muito mais coragem para aceitar o abate do seu voo e continuar andando, já de mãos vazias, já sem voz, ou sem força, já perdido no nada e sem acreditar porque sobreviveu, porque ficou, quando o único capaz de segurar no seu braço e fazer o tempo parar e fazer acreditar que viver de sonhos era possível, já se foi...

Pensar em suicídio passar a ser o Sim, quando todos, quando o mundo insiste em dizer Não... Não aos sonhos, Não aos desejos, Não a essência de uma vida própria que exige protagonista, Não as utopias, Não a qualquer possibilidade de realização, de concretização, de contentamento, de satisfação...

Sejam bem-vindos “Nãos”, façam sua parte e depois me deixem na rua sem saída, não será em vão...