quarta-feira, 15 de abril de 2015

Doente


Lá for a chuva cai, aqui dentro eu estou doente...
Conforme o tempo passa fico mais e mais doente. Minhas mãos começam a atrofiar por não tê-las usado para contar tantas história que gostaria de ter contado... Começo a limitar os passos que dou...
Estou mais fraca, olhando pela janela, vendo a chuva cair, vendo a vida passar.
Estou vendo as lombas dos livros no canto da mesa, eu perdi completamente a ânsia em lê-los... Na boca, perdi o gosto de tudo... E as lágrimas eu as seco antes que cheguem ao canto da boca...
Olho ao redor tentando buscar explicações, um mísero sentido para algo que me rodeia...
Doente, estou cada dia mais cinza... E minha fraqueza me mantém imóvel, numa vida que acontece entre quatro paredes...
Estou cinza, olhando para as paredes brancas imaginando-as coloridas...Se houvesse uma parede falsa e eu pudesse fugir para longe, para o outro lado, onde neva, onde as cerejeiras florescem...
Estou fraca, doente e beirando a demência, trancada longe dos objetos cortantes. O tempo está passando e é cada vez mais pesado respirar...
Estou longe de todo risco, da possibilidade da dúvida, da tentativa e do recomeço... Estou cada vez mais doente e insana...

terça-feira, 14 de abril de 2015

Despida


Escrevi uma carta com uma caneta nova... Com tinta liquida escrevi uma carta sobre o passado, sobre o outro lado...
Escrevi uma carta, em que nas entrelinhas deixei em branco que vou mudar a cor do cabelo, vou pintar de uma cor mais forte meus lábios, vou tirar o esmalte e me despir da carga que levo nos ombros.
Esteja certo, eu não sou o que sou. O que se vê do outro lado da rua não existe. E por isso eu vou me despir e comprar lápis de cor, livros de arte e voltar a ler Saramago...
Depois de ontem, sentada num banco extenso, no centro da cidade eu compreendi porque não vivo, eu vi o porquê que a vida passa pela janela e eu só abano.
Não sei quando vou embarcar no trem, quando vou fazer as malas, embalar os objetos da sala. Por hora preciso me despir...
Quero me despir e estar livre, passar fome, começar de novo depois de voltar três casas.
Mas, por favor, me deixe começar de novo para que eu possa respirar sem sentir dor no peito, sem o desespero de estar sufocando, não sentindo meu pulmão se encher de ar!
Deixe que eu grite esse choro pesado, esse choro feito de sangue e de tempo... Deixe-me viver despida e livre!
Deixe que eu viva sem poupança, sem investimentos imobiliários, deixe eu andar por museus, por casas abandonas, deixe que eu escreva a minha história...
Deixe que a vida seja, que eu seja, que eu veja a vida aos meus olhos... Porque nos meus olhos ela não é código, nem artigo de lei... Aos meus olhos a vida é arte, é folha em branco que dança ao vento...
Por isso depois desse choro pesado, feito de sangue e de tempo eu quero me despir e estar livre.

sábado, 11 de abril de 2015

Sobre dúvidas e pontos finais...


Existe uma dúvida em mim, não sei se é unicamente minha.
Mas, de tempos em tempos, eu acordo de madrugada e lembro de tudo que existiu, por um segundo...
Existe uma dúvida que ficou sem ponto final, nem exclamação... No entanto, as vezes sou assombrada com uma grande interrogação...
E num dia de sábado ensolarado e quente, eu bebo o chá já frio da xícara e busco sinais de resposta entre as fotos e palavras trocadas, escritas... Das frases feitas que decorei...
Não se trata de falta de amor próprio ou de ter ficado no passado, parada no tempo. É que aqui, restaram porções de sentimento mal explicados...
Existe uma dúvida e eu as multiplico enquanto troco uma foto por outra em minhas mãos, enquanto escuto as canções que fiz serem escutadas do outro lado do mundo...
Enquanto escrevo, fico na espera de uma resposta, que talvez nunca chegue... Não passa de um toque de esperança. Não é a esperança de que tudo acabe como nas novelas, mas de que se possa eliminar as interrogações e seguir, sem acordar de madrugada e relembrar tudo sempre, pensando em como poderia ter sido e não foi.
Talvez você já tenha esquecido tudo, tenha seguido a vida, eu também segui. Mas como uma sonhadora inconsequente, que quer a vida intensamente, eu vou imaginar quando me depararei com você, em alguma esquina, com a mão no bolso. E, de repente, eu saberei que tudo já passou, talvez aí poderei escrever uma carta com ponto final...

O amigo do futuro...

Entrou na sala, procurou um lugar naquele semicírculo de cadeiras pesadas e duras.
Sentou-se, abriu o caderno, preparou a caneta, conversou com os colegas que chegavam e começavam a ocupar as cadeiras ao seu redor.
Quando a aula começou, levantou a cabeça e olhou para quem falava. Era o professor, sentado, também ele em uma daquelas cadeiras desconfortáveis e azuis, exatamente a sua frente, numa linha reta, quase perfeita.
Diante de seus olhos, achou que, de repente, o tempo havia passado e ela tinha ficado no passado.
Aquele senhor à sua frente era o amigo de anos passados, o companheiro da adolescência, o cara que assistia com ela filme francês, preferia vinho a cerveja e era, talvez, um apaixonado.
Diante de seus olhos ela reconheceu um amigo, que não sabia quem ela era.
Ela então passou a tarde olhando para aquele homem a sua frente, um desconhecido conhecido. Com os mesmos trejeitos, a mesma forma de sentar, a mesma forma de falar e de vestir, continuava magro e usando camisas azuis...
Inevitavelmente ela lembrou-se de quando ele fora mais jovem... Ainda ouvia rock and roll e lia livros de literatura? Ainda gostava de chocolate?
Naquele homem a sua frente, teve uma amostra do futuro. Inevitavelmente se perguntou se, nos dias que se aproximariam, ela e o amigo se reconheceriam ainda. Ou se seriam estranhos sentados um em frente ao outro, olhando-se como se, de algum lugar, se conhecessem.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Na estrada



Veja bem você, o mundo é grande. Perdi uns minutos entre uma arrumação e outra e olhei no mapa.
O mundo é grande, percebi, e eu não consigo alinhar a distância entre eu e você. Eu desconheço a linha reta de um ponto ao outro.
Em vez disso, conheci as curvas e deu tempo de notar as ervas daninhas que nascem rente ao asfalto. E vi que o mato na beira da estrada está grande demais, atrapalhando a visão.
Esse mundo, eu olho no mapa e vejo a distância em menor escala, conto nos dedos horas em quilometragem, olho para o relógio...
O mundo é grande, eu sei, e possivelmente seja maior do que se possa ver.
O mundo é grande e eu não conheço a cidade ao lado. Fique caçando pernilongo, perdi a carteira de motorista, desisti de ter um carro, não sei me equilibrar numa bicicleta, parei de correr quando começou a escurecer, dei meia volta...
Talvez em breve, eu coloque o pé na estrada, de verdade, talvez eu não leve todas as coisas, apenas umas roupas, alguns livros, um bom par de tênis, um óculos de sol e todos os sonhos que existem em mim, todos os desejos que tenho na pele...
Talvez em breve eu veja o sol se colocar entre os prédios de concreto da cidade, e sem pressa eu ficarei ali, na sacada, vendo o sol sumir, vendo o escuro da noite chegar, vendo as luzes da cidade serem acesas... Sentindo toda a banalidade cotidiana eu vou escrever...
Quando isso passar, eu vou lhe contar uma história, tocar sua mão, talvez beija-las... Talvez, quando isso acontecer, não existam mais rótulos nem anéis, nem talvez, talvez ainda exista amor e um pouco menos de teoria, um pouco menos de linearidade, um pouco mais de loucura, um pouco mais de vontade...
Assim a gente recorda a estrada. O caminho de chão e a estrada...