O dia hoje começou da mesma forma que vem
começando por aqui, tão cotidiano e banal... Tomei demorada e pensativamente
minha xícara de café preto e amargo, olhei pela janela, sem chuva nem frio, não
pensei duas vezes, peguei a coleira, desci as escadas e chamei, não tardou para
que a Lana abandonasse a cara de sono e começasse a abanar o rabinho... Sim,
vamos caminhar... Após o ataque eufórico ela sentou, esperou que eu a
preparasse e pronto, ela foi para o portão...
Acho interessante que enquanto eu não pego em
sua guia, ela dá um passo, mas olha para trás, como se dissesse: só vou se você
também for...
Fizemos nossa caminhada tranquilamente, escutamos
juntas, algumas falas humanas carregadas de estupidez e insensatez e enquanto
eu remoía as tais falas, Lana apenas caminhava, como se aquele simples passeio
fosse tão feliz e importante, que nada poderia mudar sua alegria...
Acho mágico perceber nos animais aquilo que,
por vezes, tentamos a vida inteira aprender e quase sempre não conseguimos: que
para sermos felizes precisamos de pouco, do que é simples, mas essencial...
E nesses dias confusos, de desordem e
dilacerados, Lana parece ser a única a trazer-me a calma, a paz de espírito
da qual preciso... Ela não exige sucesso, altos salários, nem precisa sentir
orgulho por uma declaração de imposto de renda tão grandiosa ou uma profissão
de prestígio, Lana está satisfeita por me ver chegar ao portão, mesmo em dia de
chuva (e ela morre de medo de água), está bom para ela poder entrar em casa e
subir no sofá, mesmo escondida...
Lanoca,
sem proferir uma palavra sabe falar muito melhor com seus gestos conscientes...
Sentando de frente à mim, colocando suas patas dianteiras nas minhas pernas e
escorando a cabeça na minha barriga, pedindo carinho, instantes tão únicos que
jamais sairão da minha memória, são os momentos em que acredito que o mundo é
um bom lugar para se estar... E que, poder estar perto daquela pivete de quatro
patas que costumava roubar meu dinheiro e meu chinelo deixa a vida com um gosto
todo especial... e é mais fácil ser feliz e aprender a ser feliz na
simplicidade com aquilo que é, realmente, fundamental... E a Lana, certamente, é
uma das minhas chaves que abre a portão do paraíso...
Por fim, recordo de Saramago, que também
tinha em sua companhia cachorros, em algum texto em que declarou: “Privadas dos animais domésticos as pessoas
dedicaram-se ativamente ao cultivo de flores / Destas não há que esperar mal se
não for dada excessiva importância ao recente caso de uma rosa carnívora”...
Alguma coisa está definitivamente errada no ser humano. Morrerei sem saber o
quê. (Cadernos de Lanzarote, 2)
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