Passados alguns dias, acho que já
posso escrever...
Grandes feriados servem para
rumarmos junto daqueles que amamos e que passamos muito tempo longe.
Foi isso o
que aconteceu na última quinta-feira, quando arrumamos a mala, entramos no
carro e pegamos a estrada para ver meus pais e irmãos...
Tenho medo de estradas, medo de
viajar, medo dos grandes caminhões e medo de motoristas inconsequentes e
irresponsáveis.
Mas, dias que deveriam ser
felizes, cheios de risos, abraços e saudades abandonadas, nem sempre são
assim...
Era quase sete horas da noite, véspera
de feriado e estávamos a poucos quilômetros da cidade dos meus pais. Havia
muitos carros e o trânsito estava bastante lento devido a uma colheitadeira. A
nossa frente, um caminhão, atrás, um carro pequeno...
Estávamos praticamente parados
(devido à lentidão do trânsito) quando sentimos uma pancada atrás e logo após outra
batida, um pouco mais forte...
Ainda recordo do Lauro que
tentava me abraçar e me levava para perto do corpo dele, enquanto eu via meu
corpo ficando cada vez mais perto do parachoque do caminhão à frente...
Logo depois ouvimos gritos
desesperados de um pai que segurava em seus braços o filho desacordado,
sangrando, após um caminhão carregado com 19 toneladas ter batido na traseira
do seu carro.
Essa criança, agora está na UTI,
com fratura no crânio...
Ressoa em mim os gritos do pai
dizendo que o filho, era a única coisa que ele possuía...
Saímos do carro e começamos a
entender o que estava acontecendo. Entre tantas vezes, em que passávamos por
acidentes, em que eu tentava imaginar o que havia acontecido, agora eu estava
do outro lado da pista, eu era vítima da violência das estradas... Tentei ficar
o mais calma possível e dar suporte para quem sofria mais do que eu...
Um filme passou pela minha
cabeça...
Comecei a tremer, tremo ainda
agora enquanto retomo á memória uma noite de desespero, de medo... Não consegui
dormir nas primeiras noites, acordava assustada, lembrando do que havia
acontecido, sentindo o peso da noite de luzes apagadas...
Sentia e sinto o desespero sem tamanho
ao pensar do que poderia ter acontecido, em como nossas vidas poderiam ter se esvaído
em frações de segundos que se arrastavam à baixo de um caminhão, fiquei
pensando em como é tênue a linha que separa um acidente de uma tragédia, fiquei
pensando e tentando imaginar o que o Roger sentiu quando a vida dele se perdeu
numa estrada reta, se ele sofreu, se entendeu o que acontecia... Tentei
entender o que tudo aquilo significava, o que tudo aquilo queria dizer...
Chorei de medo...
Agradeci (não sei se a vida, a
Deus, ao destino ou a sorte) por tocar o Lauro e sentir que a mão dele estava
quente, agradeci por ter como única marca de um acidente um hematoma na perna,
agradeci por consegui abraçar minha mãe e meu pai e chegar em casa... Agradeci
por estar viva...
Não sei como serão os próximos
dias, os próximos tempos, não sei quais serão os próximos assombros que terei.
Sei que a vida segue seu rumo, sei que terei de remendar os estilhaços da minha
alma de alguma forma, remendar de alguma forma que não será possível de
remendar o vidro quebrado do carro amassado, daqueles pedaços de vidro que eu
senti no banco, nas mãos.
Terei que organizar na mente o
terror daquela noite, os gritos de um pai, um motorista apavorado, os olhos
curiosos daqueles que assistiam de camarote um acidente, um acaso, um mau
momento...
A vida segue e eu terei de ter
coragem de entrar num carro de novo, pegar a estrada, voltar para outros
lugares, para outra casa...